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19/06/20
ESTADÃO – BLOG DO FAUSTO MACEDO
Marcelo Coutinho da Silveira*
Tema atual e bastante discutido nos últimos dias se refere a recuperação judicial das micro e pequenas empresas que tem sofrido graves prejuízos no período da pandemia originada pela covid19.
Como é notório, as medidas implementadas para o enfrentamento da crise decorrente da propagação do vírus SARS-COV2 têm causado efeitos nefastos na econômica, gerando desequilíbrio às empresas.
Em razão deste quadro, verifica-se um aumento no número de pedidos de falência e recuperação judicial nos últimos meses, bem como o desenvolvimento de um conjunto de atos normativos e decisões judiciais visando dar resposta a adequada no intuito de resguardar as empresas economicamente viáveis da crise.
O fenômeno atinge especialmente o micro e pequeno empresário, causando preocupação à significativa parcela ao empresariado nacional, que representa mais de 90% das empresas instaladas no país e 27% do Produto Interno Bruto, conforme dados do Sebrae.
Nestas circunstâncias, cumpre ser questionado se é possível extrair orientação capaz de auxiliar micro e pequenos empresários a eventualmente observar a recuperação judicial como um dos mecanismos aptos a enfrentar a crise econômica causada pelo Coronavírus.
A resposta é positiva para as micro e pequenas empresas economicamente viáveis e geradoras de benefícios econômicos e sociais, mas com ressalvas, considerando as limitações do tratamento diferenciado e simplificado que lhes é destinado.
No caso, observado o enquadramento da sociedade empresária como micro e pequena empresa nos termos da LC n. 123/2006, o ordenamento jurídico permite, com base na Lei 11.101/2005, que o micro e pequeno empresário em crise apresente petição demonstrando a necessidade de aprovação de subsequente plano de recuperação judicial a ser homologado diretamente pelo juiz, o qual analisará apenas a sua conformidade com os parâmetros legais, restando dispensado deliberação da Assembleia Geral de Credores.
Com efeito, permite-se aos credores do micro e pequeno empresário em crise apenas apresentar objeções sobre o cumprimento ou não referidos parâmetros legais, facilitando as discussões sobre o pedido de recuperação e de aprovação do plano de recuperação.
Note-se ainda que o plano abrange “todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49”, conforme redação trazida pela Lei Complementar n. 147/2014, além suspender o curso da prescrição, das ações e das execuções abrangidas na recuperação (stay period), em evidente benefício aos empresários da categoria.
Em complemento, a legislação prevê também parcelamento diferenciado de créditos tributários no que se refere a esse grupo econômico, consoante artigo 68 da Lei 11.101/2005, regulado pelo artigo 10-A da Lei 10.522/2002, introduzido pela Lei 13.043/2014.
Entretanto, o regime especial de recuperação judicial, apresenta determinadas limitações, vez que impõe o pagamento das obrigações da empresa em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, devendo a primeira ser paga em 180 (cento e oitenta) dias da data da distribuição do pedido da recuperação judicial, além de poder de acarretar, ao final, em resultado deveras indesejado com a decretação da falência, caso não preenchimento dos requisitos legais ou caso haja objeção por mais da metade dos credores de qualquer uma das classes de créditos.
Nesse sentido, a necessidade de realizar pagamentos à curto prazo e o receio da objeção de considerável número de credores em aderir ao plano e renegociar as dívidas muitas vezes desaconselham o pedido de recuperação judicial, levando a derrocada de micro e pequenas empresas economicamente viáveis, prejudicando consideravelmente empregados, a arrecadação de tributos e a circulação de produtos, serviços e riquezas.
O referido cenário se tornou ainda mais preocupante com a pandemia, levando inclusive a Recomendação n. 63 de 31 de março de 2020 do CNJ a exortar a mitigação do impacto decorrente das medidas de combate a contaminação pelo novo Coronavírus causador da covid19.
Por sua vez, o Judiciário tem apresentado um crescente número de decisões em favor de empresas em recuperação judicial ou mesmo em falência no intuito de adequar a aplicação da legislação às vicissitudes trazidas pela pandemia, podendo ser citados o aumento do prazo do stay period e até mesmo a suspensão da exigibilidade do cumprimento das obrigações de recuperações judiciais.
Dada importância e dimensão das micro e pequenas empresas para economia nacional, observa-se ainda a existência de propostas ainda mais incisivas de cunho legislativo, como o PL 1397/2020, o qual tramita em regime de urgência e já se encontrando em discussão no Senado Federal após passar pela Câmara dos Deputados.
A proposta legislativa cria regras transitória para favorecer a recuperação de empresas em crise.
No que se refere às micro e pequena empresas a proposta permite que: (1) o regime especial alcance todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação, ressalvados aqueles que apresentam vedação legal; (2) haja ampliação do prazo de pagamento para cumprimento do plano em até 60 (sessenta) parcelas mensais, iguais e sucessivas, devendo a primeira parcela ser paga em até 360 (trezentos e sessenta) dias da distribuição do pedido de recuperação judicial; (3) o stay period alcance mesmo as ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano; (4) não seja possível o julgamento improcedente do pedido de recuperação judicial pela objeção de quaisquer dos credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos.
A proposta legislativa se apresenta bastante salutar, permitindo a solução transitória de problemas antes encontrados no regime especial destinado a recuperação das micro e pequenas empresas em tempos de pandemia.
Em qualquer caso, não é possível desconsiderar o regime especial de recuperação judicial como mecanismo apto a resolução de problemas das micro e pequenas empresas.
Como se vê, existe evidente desejo da preservação do empresariado e desta especial categoria de negócios no âmbito nacional.
*Marcelo Coutinho da Silveira é sócio do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados
“Artigo originalmente publicado no site do jornal O Estado de S.Paulo no dia 19/06/2020”