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05/08/24
Fernando Facury Scaff
Já comentei sobre o absurdo que é a tributação federal (Lei 14.789/23) sobre a renúncia fiscal concedida pelos estados às empresas, considerações que mantenho integralmente.
Todavia, como o Judiciário anda econômico na concessão de liminares sobre esta matéria, o tempo está passando e as obrigações fiscais se acumulando, as empresas se veem obrigadas a pagar, depositar ou provisionar os valores que o Fisco federal está exigindo sobre as renúncias fiscais estaduais. Isso implica em cobranças mensais de Pis e Cofins a partir de janeiro/24 e CSL e IRPJ para o próximo ano.
Logo, qual a base de cálculo para se apurar essa incidência?
Linha de raciocínio
Como os escritórios de advocacia equivalem em parte ao que em outras profissões se denomina de laboratório, compartilho com vocês uma análise que efetuei em conjunto com um cliente e seu grupo de auditores independentes. Posteriormente expus essa ideia a dois colegas docentes, advogados experientes na área tributária, que concordaram com o que foi apresentado – um deles, mais detalhista, fez até cálculos demonstrativos para conferir.
Exponho a ideia e a submeto aos leitores e leitoras, pedindo desculpas para o fazer de forma didática, o que simplifica substancialmente o problema, pois me parece que facilita a compreensão.
Suponhamos que uma empresa tenha renúncia fiscal estadual de R$ 100. Logo, em um raciocínio linear, teria que oferecer à tributação federal, fruto da absurda Lei 14.789/23, o montante de R$ 100 (mesmo que esses recursos jamais tenham ingressado em seus cofres, o que afasta a pretendida incidência federal pois não foi auferida receita bruta – está sendo exigido tributo federal sobre o que a empresa não recebeu!).
Suponhamos também que, em sua operação regular, essa empresa tenha créditos de ICMS no montante de R$ 70 que possivelmente sequer sejam contabilizados, em face da renúncia fiscal estadual ser de R$ 100.
Feitas estas considerações, qual a base de cálculo da renúncia estadual, para fins da absurda exigência de tributação federal? R$ 100 ou R$ 30 (saldo dos créditos de R$ 70)?
Parece-me que, a toda prova, o montante a ser oferecido à tributação federal deverá ser de R$ 30 pois é o que efetivamente corresponde à renúncia fiscal estadual.
A ideia é que, se não existisse a renúncia fiscal estadual, o montante a ser pago ao Fisco estadual seria de R$ 30. Logo, como a renúncia fiscal estadual é superior, no valor de R$ 100, os créditos são descartados, e aplica-se o montante integral para fins de recolhimento do tributo estadual. Todavia, existem créditos que poderiam ser contrapostos aos débitos estaduais, o que faz com que o montante efetivo de renúncia fiscal, no exemplo ora exposto, seja de R$ 30 e não de R$ 100,00.
A consequência prática salta aos olhos, pois ao invés de se utilizar a base de cálculo “cheia” de renúncia fiscal estadual de R$ 100 para fins de tributação federal deve-se utilizar a base de cálculo “real” de R$ 30.
Com isso, o impacto econômico sobre o caixa das empresas será reduzido, a depender do volume de créditos que possuir em sua operação regular.
É claro que o aproveitamento de tais créditos não impactarão a tributação estadual, aproveitando-se a renúncia fiscal “cheia”, mas serão extremamente importantes para fins de tributação federal.
Parece-me igualmente claro que esse assunto não afasta a necessária lide judicial para invalidar a inaceitável exigência que está sendo feita pelo Fisco federal, conforme expus no texto mencionado no hiperlink acima.
Que parece esse raciocínio ao preclaro leitor ou leitora? É válido? A fiscalização federal concordará com ele? E o Judiciário? Você o recomendaria aos seus clientes?
Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 05 de agosto de 2024.