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11/03/25

CONJUR: Federalismo fiscal, federalismo econômico e os fundos constitucionais

Fernando Facury Scaff 

Já li e ouvi de alguns professores de Direito Financeiro algo que me soa impreciso. Diz respeito aos fundos constitucionais previstos no artigo 159, I, “c”, o qual obriga a União a atribuir 3% da arrecadação do IR e do IPI para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através do Banco da Amazônia, do Banco do Nordeste e do Banco do Brasil, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, na forma que a lei estabelecer.

A imprecisão é conceitual: essa obrigação corresponde a uma transferência envolvendo federalismo fiscal, como é usualmente afirmado? Entendo que não, tratando-se de federalismo econômico. Explico apontando as diferenças entre o inciso “c” e os incisos “a” e “b” do artigo 159, I, CF.

Federalismo fiscal envolve transferências de recursos entre entes federados, tal como se verifica no Fundo de Participação dos Estados (FPE) – artigo 159, I, “a” – e no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – artigo 159, I, “b” –, constituindo-se em receita própria desses entes federados, a despeito de ser transferida pela União. Não se trata de empréstimo e muito menos de transferências voluntárias. São receitas próprias transferidas a entes federados de forma obrigatória por força de norma constitucional e com critério redistributivo, pois não há correspondência entre os valores gerados pelo IR e o IPI no território de cada qual e os montantes transferidos.

As transferências previstas no inciso “c” do artigo 159, I, não ocorrem entre entes federados, mas para aplicação em financiamento do setor produtivo nas regiões mencionadas, o que identifica esses recursos como empréstimos, a serem geridos pelos bancos de desenvolvimento regional, com juros, prazos de carência e outras regras favorecidas. Esses recursos são transferidos pela União a três diferentes fundos: Fundo Constitucional do Norte (FNO), Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) e Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FNC).

As principais diferenças conceituais decorrem de que as transferências do inciso “c” não são destinadas aos entes federados e nem se constituem como receita própria destes. São empréstimos a serem utilizados pelo setor produtivo, de acordo com planos para o desenvolvimento regional e gerenciados pelos bancos públicos mencionados. Sendo empréstimos, devem ser pagos por quem os obteve, sempre observando as condições favoráveis estabelecidas nas normas de regência da matéria.

Logo, o que consta do inciso “c” é conceitualmente diferente do que existe nos incisos “a” e “b” do artigo 159, I, CF, caracterizando-se o sistema previsto em “a” e “b” como federalismo fiscal, e o previsto em “c”, como federalismo econômico, embora decorra de recursos públicos oriundos de parcela da arrecadação tributária (IR + IPI).

O federalismo econômico tem sua base constitucional no artigo 43, que, na forma da lei, prevê, dentre outras, as seguintes possibilidades de incentivos regionais: (a) igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do poder público; (b) juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; e (c) prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas.

Esse mesmo artigo 43 também trata de federalismo fiscal, ao prever a possiblidade de, na forma da lei, serem concedidas isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas, e, sempre que possível, considerando critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.

Feita a distinção entre o federalismo fiscal e o econômico, registra-se a existência de pelo menos outro tipo de federalismo, o patrimonial, que decorre da repartição de receitas públicas não-tributárias, como os royalties do petróleo, mineração e energia elétrica, cuja regra constitucional de regência encontra-se no artigo 20, §1º.

Isso nos leva a classificar esta distribuição de recursos públicos da seguinte forma: (1) o gênero é o federalismo financeiro, que possui as seguintes espécies: (1.a) federalismo fiscal ou tributário, que usa recursos públicos tributários para rateio entre entes federados, (1.b) federalismo patrimonial, que usa recursos públicos não-tributários para rateio entre entes federados, e (1.c) federalismo econômico, que usa recursos públicos não-tributários para o desenvolvimento regional, sem atribuí-los a entes federados.

Existe ainda o federalismo aplicado à despesa pública e à dívida pública, mas isso é tema para outra coluna.

Em síntese: os fundos mencionados pelo artigo 159, I, “c”, CF, não se caracterizam como federalismo fiscal, mas como federalismo econômico.

Fernando Facury Scaff
é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff – Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 11 de março de 2025.