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18/04/22

CONJUR: Fundo eleitoral ou orçamento secreto: o que importa nas eleições

Por Fernando Facury Scaff*

No Brasil atual existem dois fundos públicos que custeiam a atividade eleitoral.

O Fundo Partidário (Lei 9.096/95), que serve para custear as despesas quotidianas dos partidos, como luz, água, aluguel, contadores, advogados, impulsionamento de conteúdo na internet etc. É deste fundo que saiu o dinheiro para que o partido político Podemos blindasse o carro do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, que era seu candidato a presidente da República, mas, ao trocar de partido, se tornou um ex-candidato a presidente. Consta que o partido político Podemos gastou cerca de R$ 3 milhões com a ex-candidatura de Sérgio Moro, incluindo R$ 22 mil de salários mensais. O valor que foi distribuído em 2021 para todos os partidos equivaleu a R$ 1 bilhão.

Outro é o Fundo Eleitoral (Lei 13.487/17), que surgiu para custear as eleições após o STF ter declarado que nossa Constituição proíbe o financiamento privado de campanhas. Para esse Fundo foi alocado o montante de R$ 4,9 bilhões para serem distribuídos em 2022 (cinco vezes mais que o Fundo Partidário). A divisão dos recursos ocorre através dos partidos políticos, na proporção de suas bancadas no Congresso, considerando a última eleição – portanto, não se deve olhar a situação partidária atual, mas a que resultou das urnas nas eleições de 2018. Neste ponto, a maior bancada era a do PSL, que recentemente se fundiu com o DEM, e resultou no UB (União Brasil), que receberá quase 16% desse total. O PT receberá quase 10% e assim por diante. O PL (Partido Liberal), que é o atual partido do presidente Bolsonaro, presidido por Waldemar da Costa Neto, está em sétimo lugar neste ranking, recebendo quase 6% dos R$ 4,9 bilhões).

Observe-se que, a serem mantidas estas regras, terá mais dinheiro do Fundo Eleitoral para as eleições de 2026 quem eleger maior número de deputados e senadores em 2022. Logo, para muitos partidos a estratégia é a de ampliar suas bancadas, para que se fortaleçam e tenham mais recursos à frente.

Essa descrição dá a entender que, quanto mais dinheiro tem um partido, maior poder de atração de candidatos ele tem. Afinal, no jogo eleitoral, quem tem mais dinheiro, tem mais poder — ocorre que essa frase é verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

É verdadeiro afirmar que, quem tem mais dinheiro, tem mais poder.

É falso afirmar que o dinheiro/poder advém do Fundo Eleitoral, pois aqui entra uma variável externa ao sistema de financiamento eleitoral, mas que vai deturpá-lo, que são as emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto, conforme importante série de reportagens do jornal O Estado de São Paulo, tendo à frente o repórter Breno Pires.

É fácil explicar: o orçamento secreto é composto por uma montanha de dinheiro, estimada em mais de R$ 16 bilhões, para ser distribuída ao sabor de apenas duas canetas: a do Presidente da Câmara e a do Presidente da República, tendo este terceirizado esta função para o Ministro Chefe da Casa Civil.

Pense comigo e responda, o que é mais atrativo: (1º) Disputar os R$ 4,9 bilhões do Fundo Eleitoral, que é dividido entre todos os partidos conforme o quadro eleitoral de 2018, ou (2º) disputar R$ 16 bilhões do orçamento secreto que serão divididos ao bel-prazer de duas pessoas, independente de partidos, sendo suficiente que o político se alie ao governo? Bingo! A segunda alternativa é a mais interessante.

Isso é facilmente demonstrado através da movimentação partidária, pois o União Brasil perdeu 30 deputados, embora tenha mais dinheiro do Fundo Eleitoral, e o PL, que é o partido do presidente, recebeu 42 deputados. Logo, retorna-se à parte verdadeira da frase acima: quem tem mais dinheiro, tem mais poder. E, neste caso, o orçamento secreto desequilibra qualquer jogo de forças eleitoral, pois tem mais dinheiro, é de mais simples distribuição, e é suprapartidário. É dezesseis vezes maior que o Fundo Partidário e três vezes maior que o Fundo Eleitoral, podendo ainda ser ampliado. Simples assim.

Tudo isso lembra a antiga AP (ação popular) 470, conhecida como julgamento do mensalão, relatada no STF pelo ministro Joaquim Barbosa, através da qual 25 pessoas foram condenadas (ver aqui). O confuso acórdão, com mais de 8.400 páginas (não é o processo, é só o acórdão), indica que a distribuição dos recursos era feita à margem da lei.

E agora? Tudo isso está sendo feito dentro da lei? Ou estará sendo feito dentro da lei, mas fora das quatro linhas da Constituição? Vale transcrever o artigo 14, §9º, da Constituição: Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Esta parte final merece muita atenção.

Eleições não são vencidas apernas no dia da votação, porém muito antes, e a distribuição do dinheiro é importantíssima nesse contexto.

O que fazer? A palavra está com as autoridades jurisdicionais constituídas.

Pelo tema e pelo momento em que vivemos, fará muita falta a voz e a presença de Dalmo Dallari, falecido semana passada. Minhas condolências à família e ao Brasil.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em  12 de abril de 2022.