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20/01/22

CONJUR: Inflação em 2021 foi de 10,06%. Bolsonaro vai dobrar a meta?

Por Fernando Facury Scaff*

A inflação do ano de 2021 foi de 10,06%, tendo o presidente Bolsonaro se apressado em dizer que em 2015 a inflação também havia sido de 10%, comparando seu governo ao de Dilma Rousseff.

De fato, tanto em 2015 quanto em 2021 a inflação ultrapassou o percentual de 10%, o que dá razão ao atual presidente, sendo que naquele já remoto ano o percentual foi até maior, de 10,67%. Aparentemente, trata-se de uma triste vitória para o período Dilma.

Porém, será isso verdadeiro? Para fins singelamente matemáticos, o raciocínio é linear, bem ao gosto do nosso atual presidente, pois a inflação de 2021 foi de 10,06% e a de 2015 foi de 10,67% – logo, Bolsonaro teria razão sob essa ótica.

Esse fato me trouxe à mente uma das inesquecíveis frases da presidente Dilma, que foram objeto de muita gozação nas redes sociais: “Nós não vamos colocar uma meta. Nós vamos deixar uma meta aberta. Quando a gente atingir a meta, nós dobramos a meta”.

Essa frase, cujo contexto era diverso do inflacionário, me levou a analisar esses índices sob outro prisma, diverso do matemático puro e simples.

O sistema de metas de inflação foi criado no Brasil em 1999, sendo estabelecida uma meta em junho de cada ano pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e cabendo ao Banco Central adotar as medidas necessárias para alcançá-la. O índice de preços utilizado é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A meta se refere à inflação acumulada no ano, sendo que a previsão é feita para o ano corrente e três anos-calendário à frente. Existe ainda um intervalo de tolerância, também definido pelo CMN.

Observando o histórico das metas de inflação, constata-se que em 2015 a meta era conter a inflação em 4,5% anual, com intervalo de 2 pontos percentuais, o que aponta para uma tolerância de até 6,5%. O resultado foi o explosivo 10,67% naquele ano.

Em 2021 a meta era de 3,75%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual, o que indicava 5,25% no ano recém findo. Chegamos a 10,06%.

Em síntese, constata-se que no tumultuado ano de 2015 o estouro da meta foi de 4,17 pontos percentuais. E que, no não menos tumultuado 2021 (registre-se: sem processo de impeachment em curso), o estouro da meta foi de 4,81 pontos percentuais.

Conclusão: Bingo, Bolsonaro venceu a corrida inflacionária. Em 2021 o governo Bolsonaro foi inflacionariamente mais explosivo que o governo Dilma em 2015, pois o estouro da meta estabelecida pelo próprio governo ultrapassou o que havia sido previsto como limite superior. Bolsonaro com bombásticos 4,81 de estouro da meta em 2021 versus Dilma, com elevado estouro de 4,17 em 2015.

Para quem quiser pesquisar sobre o tema, sugiro a leitura da carta aberta que o presidente do Banco Central obrigatoriamente tem que enviar ao presidente do Conselho Monetário Nacional expondo as razões de não ter sido atingida a meta estabelecida. Existe a de Alexandre Tombini, referente ao ano de 2015 e a de Roberto Campos Neto, referente ao ano de 2021.

Como referido, já existem metas de inflação estabelecidas para os três anos vindouros (2022 = 3,5%; 2023 = 3,25% e 2024 = 3%). Pergunto ao caro leitor e leitora: você acredita que estas metas serão cumpridas e que teremos inflação de 3,5% no corrente ano de 2022? Tudo indica que não.

Isso aponta para o fato de Bolsonaro, além de já ter dinamitado o teto de gastos, explodiu o sistema de metas de inflação. Esse descontrole tem um nome: irresponsabilidade fiscal.

Resta a triste e hilariante pergunta, que vale 1 milhão de reais: será que Bolsonaro vai dobrar a meta, tal como disse Dilma naquela frase nonsense?

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em  18 de janeiro de 2022.