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19/11/24

CONJUR: Manifesto jurídico-revolucionário pelo estado de espírito de 1988

Fernando Facury Scaff 

Tem dias que, olhando para um lado e outro, dá vontade de propor um Manifesto Jurídico-Revolucionário, o que faço abaixo, cozido com pitadas de ironia e utopia.

O Manifesto busca uma sociedade em que:

  • O Poder Legislativo legisle, preferencialmente por meio de leis, e não massivamente através de emendas constitucionais;
  • O Poder Executivo administre, cumprindo a Constituição e as leis, com o uso de medidas provisórias apenas em casos reais de urgência e relevância;
  • O Poder Judiciário julgue, fazendo cumprir a Constituição e o ordenamento jurídico, com os julgadores se manifestando exclusivamente nos autos;
  • O Ministério Público fiscalize o cumprimento da Constituição e do ordenamento jurídico, nos limites do que neles está disposto;
  • Os Tribunais de Contas fiscalizem a atividade financeira dos governos;
  • Todas as pessoas sejam iguais perante a lei, que só as discriminará visando reduzir as desigualdades, respeitando suas diferenças individuais;
  • A redução das desigualdades e a educação sejam as verdadeiras prioridades nacionais;
  • O ordenamento jurídico seja voltado exclusivamente para o bem comum, e não para benefícios particulares ou de grupos, públicos ou privados;
  • As leis produzidas pelo Legislativo respeitem a Constituição, e os decretos e demais atos do Executivo respeitem as leis;
  • Os recursos públicos sejam usados em prol da sociedade e não de interesses particulares ou de grupos, públicos ou privados;
  • As normas sejam claras e duradouras, e sirvam para criar segurança jurídica;
  • Os candidatos a cargos políticos eletivos tenham direito à mesma quantidade de dinheiro para suas campanhas visando eleição ou reeleição;
  • O teto de remuneração dos servidores públicos seja um teto, e não um piso;
  • Os servidores públicos trabalhem em seus locais de trabalho, oito horas por dia, cinco dias por semana. Home office é uma opção para empregados e empregadores privados;
  • Quem receba salário dos cofres públicos não tenha direito a adicionais de produtividade, bônus, abonos, honorários de sucumbência ou penduricalhos semelhantes, e sobre toda a remuneração incida a tributação correspondente, independentemente do nome que seja dado a essa verba;
  • Os planos de governo sejam exequíveis e cumpridos;
  • O orçamento seja planejado, e os recursos usados em prol da sociedade, e não com emendas a favor dos parlamentares;
  • Tributos apenas sejam criados por lei, respeitado o devido processo legislativo;
  • Os tributos sejam: impostos, taxas e contribuições. Os impostos custeiem os gastos gerais. As taxas custeiem apenas a atividade pública que justifica sua existência. As contribuições sejam integralmente destinadas à atividade que ampara sua criação;
  • Haja presunção de inocência, só havendo condenação após trânsito em julgado e com efetivas garantias do contraditório e ampla defesa sendo disponibilizadas, seja no âmbito penal, que protege a liberdade, seja no tributário, que protege o patrimônio.

Você já imaginou um país em que pelo menos estas normas existissem e fossem respeitadas? Pois desde 1988 tudo isso está escrito em nossa Constituição e consta dos manuais de Direito.

Este Manifesto Jurídico-Revolucionário, escrito com pitadas de utopia e ironia, visa recuperar o estado de espírito da Constituição de 1988.

É inegável o avanço socioeconômico nesses quase 40 anos, mas, por diversas razões, alguma espécie de freio de mão vem sendo acionado, e grande parte do que acima foi descrito tornou-se esquecido ou deixado de lado, por meio de atalhos que deturparam a ideia inicial, base do fundamento constitucional.

É necessário recuperar o estado de espirito estrutural, insurgente e agregador de 1988, afastando todo o entulho que foi criado, por norma ou por costume.

Você, caro leitor ou leitora, assinaria este Manifesto?

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 19 de novembro de 2024.