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15/03/22

CONJUR: O ISS dos advogados e de suas sociedades

Por Fernando Facury Scaff*

Um dos temas tributários mais destacados neste início de ano é o da cobrança de ISS das sociedades de advogados, fruto de uma desastrada modificação realizada pelo município de São Paulo através da Lei 17.719/21, que criou uma espécie de escala móvel para cobrança desse imposto. O Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), a OAB-SP e o Sinsa ingressaram com um mandado de segurança e a liminar foi concedida pela juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, afastando sua cobrança.

O presidente do Cesa, Gustavo Brigagão, e o conselheiro federal pela OAB-SP Carlos José dos Santos Silva (Cajé) me deram a honra de ser consultado sobre a matéria, e apontei diversas inconstitucionalidades naquela norma. Isso foi veiculado através de um parecer que se encontra disponibilizado no site do Cesa, junto com os excelentes pareceres dos colegas Marco Aurélio Greco e Paulo Ayres Barreto, que também analisaram o assunto, opinando pela inconstitucionalidade da norma paulistana.

Quem tiver interesse sobre este caso concreto e a análise dessa específica norma municipal, deve se dirigir aos referidos pareceres e à opinião qualificada de outros colegas que analisaram o assunto, como Igor Mauler Santiago, Alexandre Evaristo Pinto e Caio Augusto Takano, e Breno de Paula e Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal.

O foco deste artigo é outro. Não pretendo analisar a norma paulistana, pois o que havia a ser dito já consta dos documentos acima referidos. O enfoque será proativo, isto é: à luz da Constituição e do Decreto-lei 406/68, qual seria uma fórmula correta de incidência do ISS sobre as sociedades de advogados?

Antes de analisar sobre esse enfoque, dois avisos devem ser dados: (1) dizer que uma determinada fórmula é correta, não implica em afirmar que todas as outras sejam erradas, pois o direito não é uma ciência exata, admitindo múltiplas respostas corretas, sendo umas mais adequadas do que outras; (2) o texto não analisará nenhuma específica norma de incidência municipal de ISS, mas tratará apenas das normas gerais composto pela Constituição e pelo Decreto-lei 406/68, artigo 9º, §§1º e 3º, fazendo uma análise de direito positivo.

No âmbito constitucional, o artigo 156, inciso III, concede aos municípios a competência tributária para instituir o ISS, que incidirá sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar. E o §3º do artigo 156 exige lei complementar para que sejam fixadas suas alíquotas máximas e mínimas.

No âmbito da lei complementar, que para este específico assunto é o Decreto-lei 406/68, deve-se centrar a atenção em apenas dois parágrafos do artigo 9º, cujo caput afirma ser a base de cálculo do ISS o preço do serviço.

No §1º é afirmado que, “quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho”.

E no §3° consta que, quando os serviços de advocacia (dentre outros) forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao ISS “na forma do §1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável”.

A conjugação desses dois parágrafos afirma, de forma inapelável, que (1) a tributação das sociedades de advogados (§3°) deve ser feita de forma igual ao da tributação dos advogados autônomos (§1º). E que (2) é vedada a utilização como base de cálculo “da importância paga a título de remuneração do próprio trabalho” (§1º). Essas duas afirmações são suficientes para a análise que se propõe e tratam de uma questão vinculada à isonomia.

Gostemos ou não das normas vigentes, elas equiparam a tributação do advogado autônomo à tributação das sociedades, sendo que, nestas, a tributação ocorrerá como um agregado de quantos advogados prestem serviços em nome da sociedade.

Exemplificando: se a tributação de um advogado autônomo pelo ISS é de R$ 100, a tributação de uma sociedade de advogados corresponderá à multiplicação de R$ 100 pelo número de profissionais que prestem serviços em nome da sociedade. Supondo que uma sociedade tenha 10 profissionais habilitados, o valor do ISS será de R$ 1.000. Simples assim.

Entendido dessa forma, qual o espaço federativo dos municípios em suas leis instituidoras do ISS sobre esta específica incidência? O de estabelecer o valor do ISS que incidirá sobre cada advogado autônomo, sendo vedado usar como base de cálculo a “importância paga a título de remuneração do próprio trabalho” (§1º).

Logo, no exemplo acima, o valor de R$ 100 é o que o município pode delimitar, sendo mais ou menos, porém — e isto é o ponto central da exposição — o valor terá que ser igual para os advogados autônomos e para os demais advogados reunidos em sociedade. Não pode haver distinção. O valor cobrado de um terá que ser exatamente igual ao cobrado de outro.

Repito: essa é a interpretação das normas gerais sobre o ISS acerca dessa incidência, gostemos ou não delas. Não se está tratando de uma questão de política tributária, pela qual se exporia como deveria ser a tributação nessa hipótese, mas está sendo exposto como as normas gerais de regência da matéria determinam que ela seja.

Assim, à luz das atuais normas gerais (Decreto-lei 406/68, artigo 9º, §§1º e 3º), será inconstitucional qualquer norma municipal que trate o advogado autônomo de forma desigual do advogado que trabalhe reunido em uma sociedade. Gostemos ou não do que consta das normas.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em  07 de março de 2022.