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14/10/24
Fernando Facury Scaff
Dias atrás o Carf decidiu por unanimidade ser devido ITR sobre áreas destinadas à mineração (recurso especial de divergência do contribuinte, Acórdão 9202-011.407 – CSRF/2ª Turma). Foi decidido que “as áreas destinadas a Mineração e Jazidas não se encontram dentre o rol das áreas excluídas da incidência do ITR, conforme previsto na Lei nº 9.393, art. 10, §1º, inciso II, com suas alíneas”. De fato, a norma estabelece no artigo 10, §1º:
“Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á: II – área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas: c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual”.
Sendo o ITR um imposto com finalidades extrafiscais, que incentiva o aproveitamento econômico da terra, como é que vai incidir sobre uma área que está sendo economicamente explorada? Nesse sentido, a Lei 8.269/93, que trata de reforma agrária, estabelece que não se consideram aproveitáveis as áreas sob efetiva exploração mineral (artigo 10, III).
Existe o artigo 8º do Decreto-lei 57/66, que considera a área de exploração mineral como inaproveitável, desde que seja comprovado que isso impede a exploração de atividades agrícolas, pecuárias ou agroindustriais. No caso sob julgamento, isso não foi apresentado, segundo o acórdão.
A decisão declara que foi utilizada a interpretação literal da norma: “Não há como se ampliar o referido rol para que seja incluído a área de exploração minerária, inclusive a de superfície, pois, para tanto, seria necessário adotar interpretação teleológica e, em última análise, analogia, a extrapolar a lei tributária. Para efeitos de exclusão, da base de cálculo do ITR, de áreas comprovadamente imprestáveis, para fins de exploração da atividade rural, exige-se declaração de que tais áreas são de interesse ecológico pelo órgão competente, federal ou estadual”.
É neste ponto que a porca torce o rabo. Alguns aspectos chamam a atenção.
Interesse ecológico
A norma que embasou a decisão exige que “sejam declaradas de interesse ecológico áreas comprovadamente imprestáveis para exploração econômica” (artigo 10, §1º, II, “c”, Lei 9.393/95). Observe-se que esta mesma norma já retira do âmbito de incidência as construções, instalações e benfeitorias, as culturas permanentes e temporárias, as pastagens, as florestas plantadas, e as áreas de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, as de preservação permanente e de reserva legal, aquelas sob regime de servidão ambiental, as cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias e as alagadas para fins de constituição de reservatório de usinas hidrelétricas (artigo 10, §1º, I e II, Lei 9.393/95).
Será que a ecologia e a economia são tão divergentes, a ponto de obrigar um órgão ambiental a declarar que há interesse ecológico em uma área economicamente imprestável? Se não serve para agricultura, pecuária, criação de aves, aquicultura ou aproveitamento florestal, e não se constitui em nenhuma das outras exceções, haverá interesse ecológico? Algum órgão ambiental declararia isso? Essa norma é exequível?
Por outro lado, existe a norma constitucional (artigo 176, §1º) que expressamente declara ser a mineração uma atividade econômica de interesse nacional, cuja exploração depende de outorga estatal. O reconhecimento constitucional da relevância desse setor indica que não há “improdutividade”, sendo que sua produtividade reside, exatamente, na exploração dos recursos minerais, que podem se encontrar no solo ou no subsolo brasileiro. Desta forma, sendo produtiva, deve ser como tal considerada para fins de apuração do ITR, reduzindo o imposto a ser pago.
Retornando à fundamentação do acórdão, verifica-se a adoção da interpretação literal da norma: “… as áreas destinadas à mineração não se encontram no rol das áreas excluídas da incidência do ITR, logo não há como se ampliar as regras postas no art. 10, em seus parágrafos, incisos e alíneas, da Lei nº 9.393, de 1996, caso contrário estar-se-ia adotando interpretação teleológica e, em última análise, analogia, extrapolando a lei tributária. O fato de a propriedade eventualmente atender sua função social pelo exercício da exploração minerária não tem o condão de invocar uma interpretação ampliativa. Não há espaço hermenêutico para compreender que as áreas ocupadas por minas ou jazidas, que são espécie própria, se qualifiquem como área de exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou florestal”. Constata-se ainda no texto do acórdão: “De fato, a exploração extrativa não se confunde com a exploração de minérios. A exploração minerária é uma atividade econômica diversa da atividade extrativa rural ou da própria atividade rural”.
Ocorre que não se trata de analogia ou de interpretação teleológica, mas de aplicação da Constituição, com subsunção da norma infralegal à constitucional, o que foi abandonado na análise do julgamento.
Além disso, os dois trechos acima transcritos evidenciam que não se trata de analogia. Quanto menos, se estaria diante de uma indução amplificadora, o que é distinto da analogia, e muito mais longe do que seria uma interpretação teleológica (Tércio Sampaio Ferraz Jr, Introdução ao Estudo do Direito, SP: Atlas, 7ª ed., p. 278-279).
É uma pena que neste caso o Carf não tenha aplicado a Constituição, tendo feito uma interpretação fiscalista permitindo a incidência de ITR sobre as áreas de extração da atividade minerária, que é um processo produtivo, sem o qual você não conseguiria ler este texto na tela do seu computador ou celular, compostos por diversos metais extraídos por meio dessa atividade.
Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 14 de outubro de 2024.