Usamos cookies para melhorar a funcionalidade do nosso site, ao continuar em nossa página você está concordando em recebê-los.
Para obter mais informações, visite nossa Política de Privacidade.
18/03/24
Fernando Facury Scaff
Este é o terceiro “episódio” de uma “minissérie” em cinco capítulos para dar ao leitor um panorama sobre a EC 132, da reforma tributária. O primeiro já foi publicado, e também o segundo nesta ConJur.
V – Regimes específicos de tributação
Estão previstos diversos regimes especiais de tributação no art. 156-A, §6º, na forma que dispuser a lei complementar.
A norma prevê, desde logo, regime específico para combustíveis e lubrificantes, com o IBS incidindo uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, por meio de alíquotas uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto, vedando que os entes federativos adotem alíquota própria e proibindo a apropriação de créditos quando destinados a distribuição, comercialização ou revenda, embora seja reconhecido o crédito nas aquisições desses produtos por sujeito passivo do imposto, de modo não-cumulativo, na forma de lei complementar.
Há previsão de regime específico de tributação para serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos, podendo ser prevista em lei complementar: a) alteração nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo, admitida, em relação aos adquirentes dos bens, direitos e serviços de que trata este inciso, de forma até mesmo cumulativa; b) hipóteses em que o IBS incidirá sobre a receita ou o faturamento, com alíquota uniforme em todo o território nacional, admitida a vedação ao estabelecimento de alíquotas próprias pelos entes federados, e podendo ser cumulativa em relação aos adquirentes desses bens e serviços. A definição de serviços financeiros é estabelecida pelo artigo 10, I e §1º, e a de operações com bens imóveis consta do artigo 10, II, ambos da EC 132, normas não encartadas no texto da Constituição.
Outro segmento com regime específico de tributação é o das sociedades cooperativas, com vistas a assegurar sua competitividade, observados os princípios da livre concorrência e da isonomia tributária, devendo a lei complementar definir: a) as hipóteses em que o IBS não incidirá sobre as operações realizadas entre a sociedade cooperativa e seus associados, entre estes e a cooperativa e pelas sociedades cooperativas entre si quando associadas para a consecução dos objetivos sociais, e b) o regime de aproveitamento do crédito das etapas anteriores.
Para os serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol e aviação regional, a lei complementar poderá prever hipóteses de alterações nas alíquotas, nas bases de cálculo e nas regras de creditamento, admitido o afastamento de alíquotas específicas pelos entes federados.
As operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive referentes a missões diplomáticas, repartições consulares, representações de organismos internacionais e respectivos funcionários acreditados também terão um regime tributário específico por meio de lei complementar.
Para os serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário, o regime tributário diferenciado, a ser estabelecido por lei complementar, poderá prever hipóteses de alterações nas alíquotas, nas bases de cálculo e nas regras de creditamento, admitido o afastamento de alíquotas específicas pelos entes federados
VI – Split payment
A EC 132, no artigo 156-A, §5º, admite que, conforme lei complementar, seja exigida comprovação do tributo pago na etapa anterior para fins de aproveitamento do crédito, o que é conhecido como split payment. Estabelece desde logo as seguintes condições: a) desde que o adquirente possa efetuar o recolhimento do tributo incidente nas aquisições, o que significa o comprador pagar o tributo que o vendedor deveria recolher, ou que b) o recolhimento ocorra no momento da liquidação financeira da operação.
O foco do preceito é o combate à sonegação.
A ideia original era obrigar o adquirente da mercadoria a comprovar que o tributo foi pago na etapa anterior, condição necessária para que pudesse obter o crédito do imposto, transformando-o em verdadeiro fiscal de tributos de seus fornecedores.
Com o texto aprovado, criam-se duas hipóteses para que esse tipo de exceção ao regime geral do IBS seja aplicado.
Na hipótese “a”, o sistema tornará ainda mais complexa a operação e onerará o contribuinte, porque terá que ter caixa para fazer frente ao pagamento do tributo devido na etapa anterior.
Na hipótese “b”, o que se pretende fazer é conceder o direito de crédito assim que ocorra a liquidação financeira da operação, o que significa liberar o crédito tão logo ocorra o pagamento do tributo, o que igualmente condiciona a uma etapa futura o que deveria ser assegurado plenamente desde o início, pois é da essência do sistema de IVA o pleno direito de compensação dos créditos, a fim de que haja a não-cumulatividade do tributo e seja assegurada a neutralidade pretendida.
VII – O CashBack
Foi aprovado um mecanismo de cashback para as pessoas de baixa renda (artigo 156-A, §5º, VIII). Cash back significa devolução em dinheiro a quem pagou por uma determinada mercadoria ou serviço. A norma determina que a lei complementar estabelecerá as hipóteses de devolução do IBS a pessoas físicas, inclusive os limites e os beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda.
A ideia de fundo é uma mudança de modelo, trocando o incentivo às empresas para um incentivo direto ao consumidor de baixa renda, e combate à concorrência predatória que pode ocorrer através da concessão de incentivos fiscais por empresa, e não por setor.
O problema é que a tributação sobre o consumo acaba por cobrar o mesmo imposto para quem consome a mesma mercadoria, seja rico ou pobre – independente da renda, todos comem o mesmo feijão que contém a mesma carga tributária.
Logo, a devolução do valor do imposto é uma fórmula de redução de custos para quem ganha menos, o que deve ser louvado. Na teoria, o consumidor de baixa renda incluirá seu CPF na nota fiscal de compra e automaticamente será gerado um crédito para ele, a ser resgatado conforme vier a ser estabelecido pela lei complementar a ser editada.
Deve-se considerar que o Brasil tem cerca de 204 milhões de pessoas, mas apenas 34 milhões declaram imposto de renda, o que, sem descer a maiores detalhes, já inclui um universo vastíssimo de possíveis beneficiários desse cashback.
Por outro lado, e aqui está o ponto central, usar o CadÚnico gerará mais um Bolsa Família no Brasil, sem nenhum critério – os quais existem e são rigorosos nesse Programa. Alega-se que essa medida já foi adotada com êxito no Rio Grande do Sul, porém observa-se que inicialmente o governo gaúcho devolvia um valor fixo por família, e posteriormente passou a devolver por CPF, com base no cruzamento de dados entre o valor da compra e a situação cadastral da família, o que leva, mais uma vez, a alguma vinculação a uma espécie de cadastro. Ou seja, há uma completa desconexão entre o que se paga de tributo ao comprar um quilo de feijão e o que se receberá de devolução – o que será isso se não um novo sistema de auxílio aos carentes? Nada contra a concessão de auxílios, desde que bem desenhados financeiramente, com contrapartidas por quem os recebe.
Já está determinado que o cashback será obrigatório para a conta de energia elétrica e para o botijão de gás adquirido pelo consumidor de baixa renda.
Tudo indica que esse meritório cashback se constituirá em um complemento do Bolsa Família, sem os critérios utilizados nesse programa, e com um oneroso sistema de gerenciamento e de combate a fraudes pesando no custo do Estado.
No quarto “episódio” desta “minissérie” tratarei do Imposto Seletivo, do Comitê Gestor e da Fase de Transição. Circulará nesta coluna Justiça Tributária na Conjur em 15 dias. Acompanhem.
Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 18 de março de 2024.