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13/12/21
Por Fernando Facury Scaff*
Suponhamos que uma empresa tenha créditos a compensar, decorrente de valores que o governo cobrou a maior e agora foi obrigado a devolver, como no conhecido caso da inclusão do ICMS na base de cálculo do de Pis e da Cofins. Tais créditos a serem compensados geram obrigação de pagar Imposto sobre a Renda, porém, em qual momento isso deve ocorrer?
O assunto foi objeto de debate em um dos painéis realizado no XIX Simpósio de Direito Tributário da Apet (Associação Paulista de Estudos Tributários), presidida por Marcelo Magalhães Peixoto, no dia 03/12/21. O assunto aflorou durante a exposição da advogada Adriana Stamato, e foi objeto de debates com os demais expositores.
O tema é relevantíssimo, pois as empresas estão utilizando estes créditos e devem incluir essa receita para fins de apuração do IRPJ, porém a dúvida é identificar em qual momento esses valores devem ser considerados. E isso deve ser feito à luz da definição do artigo 43 do CTN, que determina ter o IR por fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica “I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” ou “II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”. O cerne do debate é saber quando ocorre a disponibilidade econômica ou jurídica desses créditos?
Foi apontada a existência de cinco diferentes momentos para o reconhecimento desses créditos para fins de pagamento do IRPJ, todos com argumentos e decisões judiciais a os amparar — logo, a indefinição é a regra. Analisemos cada qual dessas hipóteses.
A primeira hipótese é no trânsito em julgado da ação que possibilitou a empresa a tomar o crédito. Aqui existem alguns problemas, pois (a) não se sabe exatamente quanto de crédito a empresa poderá tomar, uma vez que a Receita Federal poderá glosar o montante pelo prazo de cinco anos, e (b) em muitas situações, esse montante de crédito será utilizado ao longo de muitos anos. Com isso, corre o risco de a empresa pagar IR sobre o montante de X e só usar meio X, e isso de forma diferida no tempo. Dessa forma, haverá o pagamento antecipado de IRPJ sobre um montante que não estará disponível, nem jurídica, nem economicamente.
A segunda hipótese é que seja considerado o momento do pedido de habilitação do crédito. Porém os problemas acima apontados permanecem, seja pela indefinição de seu montante, seja pelo uso fracionado do valor que se creditará mensalmente.
A terceira hipótese é no deferimento da habilitação do crédito, que contém o mesmo complicador, pois tal deferimento não afasta a possibilidade de revisão em cinco anos pela Receita Federal. E, tal como nas hipóteses anteriores, o montante integral apurado pela empresa deverá ser integralmente oferecido como receita tributável, mesmo que utilizado fracionadamente.
A quarta hipótese, mais segura, e também mais radical, é só oferecer o montante integral do crédito à tributação pelo IRPJ ao final dos cinco anos, quando se terá a certeza de que o valor está homologado pela Receita Federal. Ocorre que seguir essa trilha é juridicamente muito arriscado, pois, inegavelmente, a empresa terá utilizado mês a mês os créditos que julgou ter direito e os compensou com os débitos correntes. Logo, terá tido disponibilidade econômica e jurídica dos valores mensais que utilizou.
A quinta hipótese é oferecer à tributação pelo IRPJ os valores mensais que foram efetivamente monetizados, isto é, utilizados na compensação com os tributos devidos. Neste caso a empresa registrará em sua contabilidade todo o montante do crédito, mas só oferecerá à tributação os valores que efetivamente tiver utilizado.
Inclino-me por considerar esta quinta hipótese como a mais correta do ponto de vista da interpretação do artigo 43, CTN, acima transcrito, pois a empresa: (1) não terá a disponibilidade nem econômica e nem jurídica do estoque de créditos, mas (2) terá tal disponibilidade na medida em que os utilizar mensalmente, devendo oferecer à tributação pelo IRPJ apenas esses valores.
Mesmo nesta quinta hipótese não se saberá ao certo se o estoque de créditos está correto, pois a Receita Federal os poderá glosar ao longo de cinco anos. Porém, caso isso ocorra, os valores já compensados terão sido oferecidos à tributação pelo IRPJ de forma paulatina, não gerando impactos significativos no caixa das empresas, e a conta corrente com o Fisco poderá ser ajustada ao longo do período. Caso haja divergência ao final dos cinco anos contra a empresa, o ajuste poderá ser feito mês a mês, em período futuro.
Seguramente esta quinta hipótese não atende aos interesses da Receita Federal, que desejará arrecadar antecipadamente todo o valor, como descrito na primeira hipótese. Contudo, como exposto, essa pretensão fiscal não tem amparo jurídico no artigo 43, CTN, pois as empresas não terão a disponibilidade jurídica ou econômica sobre o estoque de créditos apurado. Isso ocorrerá na quinta hipótese supramencionada.
O foco, como visto, é a interpretação jurídica da palavra “disponibilidade” no artigo 43, CTN. O que não se pode usar, não está disponível — simples assim.
Tudo isso demonstra a complexidade do direito tributário, e seu enorme potencial de litigância em face dos problemas que afloram no quotidiano das empresas, e que ficaram muito bem expostas pela Adriana Stamato no evento da Apet, que tratou desses e de outros problemas da descoordenada gestão fiscal em nosso país.
Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 13 de dezembro de 2021.