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30/05/22

CONJUR: Uma aposta sobre a reforma tributária e financeira de 2023-2026

Por Fernando Facury Scaff*

Em outubro elegeremos novos deputados federais e um terço do Senado, além do Presidente da República. Esse novo Congresso deverá deliberar sobre os projetos de reforma tributária e financeira, seja os que estão em trâmite, sejam outros a serem enviados pelo novo Presidente da República, que tem competência privativa para propor as leis que disponham sobre esses assuntos (art. 61, II, “b”, CF).

Esse cenário nos coloca defronte às seguintes hipóteses: (1) o atual Congresso delibera ainda este ano sobre a matéria; (2) o Congresso eleito delibera sobre os projetos em trâmite; (3) o Presidente eleito apresenta emendas aos projetos em trâmite, diretamente ou através de seus aliados, ou (4) o Presidente eleito envia novos projetos para serem analisados pelo Congresso. O que seria melhor?

A primeira hipótese é a pior delas, devendo ser descartada de imediato, a despeito de existirem notícias de que o atual Congresso pretende votar a reforma tributária ainda este ano, seja antes ou depois das eleições. Se votarem antes das eleições, seguramente será uma deliberação açodada, pois todos estarão em busca de votos. Se votarem após as eleições, será um ato legal, mas absolutamente ilegítimo.

A hipótese de o Congresso eleito deliberar sobre os projetos já em curso, a saber, (1) tributação do consumo (PEC 45 e PEC 110 — criação do IBS); (2) a unificação do Pis e da Cofins (PL 3887/20 — criação da CBS) e, (3) tributação sobre a renda (PL 2337/21), é igualmente ruim, pois os projetos não dialogam entre si. Falta planejamento tributário no setor público, de tal modo a manter a ideia de um sistema financeiro e tributário, que encadeie a receita e a despesa. O que está sendo proposto é um monte de remendos, sob a alegação de reforma. Se este governo fosse um alfaiate, o traje fiscal sairia todo roto.

Da mesma forma é ruim a ideia de serem apresentadas emendas aos projetos em curso pelo Presidente eleito, ou por sua base aliada. A justificativa é a mesma do item anterior, pois os projetos em curso carecem de uma lógica sistêmica, sendo apenas remendos ao que existe. Nem mesmo uma emenda substitutiva seria adequado.

A melhor alternativa é a apresentação de um novo projeto pelo Presidente eleito, a ser analisado pelo Congresso renovado. Neste caso, todos os debates já ocorridos sobre os projetos em curso devem ser preservados, pois apontarão como não deve ser feito, caracterizando-se como uma oportunidade ímpar de começar do zero alguma coisa que impactará as futuras gerações e que devem ter por norte o desenvolvimento do país, e não apenas exercer a função arrecadatória. Neste caso, o ponto central deve ser a economia digital e os objetivos ESG (Enviromental, Social and Governance), conforme já expus anteriormente (aqui e aqui), ressaltando que é insuficiente analisar apenas a arrecadação (reforma tributária), sendo necessário reformar em conjunto também a despesa (reforma financeira). Os dois lados dessa moeda devem ser analisados de forma concomitante para que tenhamos um Estado mais eficiente, seja no gasto, seja no montante arrecadado.

A questão que fica é: será que agora vai? Teremos a necessária reforma financeira e tributária pautada como algo verdadeiramente prioritário no próximo governo? Embora não tenha bola de cristal, aposto que sim.

Minha intuição é a seguinte: ao que tudo indica, o próximo Presidente da República será Lula ou Bolsonaro, em face do fracasso das demais candidaturas em conseguir se viabilizar.

Ambos já foram Presidentes. Lula por dois mandatos sucessivos (2003-2011) e emplacou uma reforma tributária durante seu primeiro mandato (EC 42/03 e 44/04), que não foram suficientes para adequar o sistema. Durante o segundo governo Lula foi apresentada a PEC 223/08, que não logrou êxito.

Bolsonaro ora tenta a reeleição, e apresentou durante seu mandato os projetos acima mencionados, os quais parece que não terão sucesso.

Logo, qualquer deles que vier a ser eleito já terão vasta experiência governamental para conduzir a necessária e inadiável reforma de nosso sistema financeiro e tributário, totalmente esgarçado nos últimos anos. Basta ver que as últimas emendas constitucionais foram majoritariamente sobre matéria financeira, com destaque para a do teto de gastos e a do (mais novo) calote dos precatórios. E muitas crises são gestadas por conta da arrecadação, e de sua repartição, como se vê no infindável debate sobre a tributação dos combustíveis.

Minha aposta é que qualquer dos dois que venha a ser eleito, proporá uma reforma financeira e tributária, até mesmo em face da experiência política e governamental acumulada e da urgência do assunto. Resta saber se a proposta que vier será melhor que as atualmente em trâmite.

A se acreditar nas notícias veiculadas pela imprensa, se Bolsonaro vencer, Paulo Guedes permanecerá como seu homem forte na economia – embora o Posto Ipiranga esteja com o prestígio inicial meio alquebrado. Nesta hipótese, é enorme a possibilidade de prosseguir o trâmite do que já foi proposto, embora o atual Presidente tenha se notabilizado por mudanças repentinas de opinião e possa nos surpreender apresentando um projeto completamente diferente.

Não se sabe exatamente o que Lula fará se for eleito, mas a imprensa noticia que está conversando com a dupla Larida, isto é, com Pérsio Arida e André Lara Rezende, que fazem parte do grupo de economistas que construíram o exitoso Plano Real, do governo FHC. Seguramente a influência do candidato a Vice-Presidente, Geraldo Alckmin, se faz sentir nessa aproximação.

Espero que algo novo surja no horizonte, mesmo que demore os quatro anos de mandato (2023-2026) para ficar em pé. Planejamento público é necessário, e faz muita falta neste período de excessivo improviso fiscal.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em  30 de maio de 2022.