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28/10/24

CONJUR: Princípios fundamentais do Direito Tributário nas Jornadas do Iladt

Fernando Facury Scaff 

Entre os dias 13 e 18 de outubro deste ano foram realizadas em Santiago, Chile, as XXXII Jornadas Latino-Americanas de Direito Tributário, organizadas pelo Instituto Latino-Americano de Direito Tributário (Iladt), com dois temas principais. O Tema I foi “Os Princípios Fundamentais do Direito Tributário e sua evolução em um mundo globalizado”, e o Tema II disse respeito aos “Desafios da Inteligência Artificial no Direito Tributário Moderno”.

Foi produzido um texto com mais de 1.600 paginas reunindo relatórios de cada qual dos países da América Latina, Espanha, Portugal e Itália, bem como o relatório final com uma análise comparada referente a esses temas. As sucintas conclusões, votadas em Assembleia Geral, já estão disponíveis no site do Iladt (ver aqui sobre o Tema I, cujo relator geral foi Pasquale Pistone, e aqui para o Tema II, cujo relator geral foi Fernando Serrano Antón).

Como fui designado para ser o relator sobre o Brasil acerca do Tema I, centrarei atenção neste texto sobre alguns aspectos do evento. A relatora brasileira para o Tema II foi Denise Lucena Cavalcante. Muitos brasileiros apresentaram comunicações, como Tácio Lacerda Gama, Jaqueline Zanetoni, Jonathan Barros Vita, Alexandre Alkmin, Diogo Ferraz Lemos Tavares, José Mauro de Oliveira Junior e Osvaldo Santos de Carvalho.

O Iladt já havia se debruçado sobre o Tema I nas XIV Jornadas (Buenos Aires, Argentina, 1989); nas XVI Jornadas (Lima, Peru, 1993); nas XIX Jornadas (Lisboa, Portugal, 1998); nas XX Jornadas (Salvador, Brasil, 2000), nas XXIV Jornadas (Isla Margarita, Venezuela, 2008) e nas XXIX Jornadas (Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, 2016). A novidade é que o Direito Tributário vem sendo globalizado de uma forma distinta da tradicional.

Antes existiam apenas os tratados e convenções que os países internalizavam em seus ordenamentos jurídicos por meio de sua aprovação formal, por meio dos sistemas monista ou dualista vigente em cada país; agora existem também regras de soft law, que se caracterizam como orientações ou recomendações de organismos internacionais, que os países passam a adotar dentro de seus ordenamentos jurídicos, alinhadas com o que se denomina de melhores práticas internacionais. Nas exposições de diversos países foi manifestado o receio de que as normas de soft law descumprissem os princípios fundamentais de Direito Tributário nacional. Exatamente por isso foi importante revisitar o tema.

Buscando padronizar as informações, por solicitação do relator geral do Tema I, Pasquale Pistoni, cada país abordou de forma itemizada os (1) princípios do Estado de Direito, (2) a relevância dos princípios de Direito Internacional no Direito nacional, (3) princípios específicos do Direito Tributário nacional, divididos em (3.a) princípios substantivos e da segurança jurídica, (3.b) princípios processuais, (3.c) princípios relativos a sanções.

Princípios
No detalhado texto que apresentei, e no pouco tempo que tive para o expor, mencionei dentre os princípios do Estado de Direito no Brasil: o democrático, a separação de poderes, o federativo em três níveis, o republicano, a isonomia, a legalidade e o devido processo legal, contendo o contraditório, a ampla defesa, a inafastabilidade da jurisdição, a ampla publicidade e o respeito aos direitos adquiridos, aos atos jurídicos perfeitos e à coisa julgada.

Quanto à relevância dos princípios de Direito Internacional no Direito brasileiro, disse que adotamos a teoria dualista, tendo nossa Constituição uma abertura epistemológica para o reconhecimento e a aplicação de outros direitos e garantias adotados por tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte, sendo aqueles referentes a direitos humanos que forem recepcionados ingressarão no ordenamento jurídico como emendas constitucionais.

Dentre os princípios específicos do Direito Tributário brasileiro, substantivos e relativos à segurança jurídica, mencionei o da reserva legal tributária, existindo uma regra de teto para a tributação regulatória, especifiquei a diferença entre leis ordinárias e complementares, a tipicidade fechada e as peculiaridades da tributação por meio de medidas provisórias. No que se refere à isonomia, mencionei a capacidade contributiva e a vedação ao confisco.

Destaquei a questão do federalismo tributário, pois as competências impositivas são estabelecidas na Constituição para os três níveis federativos, sendo vedado à União criar distinções fiscais entre estados e municípios. Apresentei a distinção da anterioridade, entre plena, nonagesimal e contributiva, distinguindo-as da irretroatividade. Expus também a compreensão brasileira sobre privacidade, sigilo fiscal e proteção de dados.

Não deixei de mencionar os novos princípios inseridos pela EC 132: simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente. Quanto à prescrição e decadência, mencionei que lei complementar estabelece 5 anos para a caducidade e 5 anos para a prescrição.

Seguindo a linha solicitada pelo relator geral, descrevi quanto aos princípios processuais a existência de habeas data, o contraditório e a ampla defesa judicial e administrativa, sendo nossos tribunais administrativos compostos majoritariamente de forma paritária entre contribuintes e fisco, e que temos no Brasil um sistema misto de controle de constitucionalidade, difuso e concentrado, que atualmente apresenta muitos problemas no que se refere à modulação das decisões, o que vem gerando muita insegurança junto aos contribuintes.

Por fim, quanto aos princípios relativos às sanções, mencionei que temos a proibição do uso de multas com efeito confiscatório, a retroação da sanção mais benéfica e a presunção de inocência.

Análise comparada
Foram pontos de destaque nas conversas ocorridas com colegas latino-americanos: (1) surpresa com o nível de detalhamento de nossa Constituição, e com tantos princípios tributários nela explicitamente inseridos; (2) a peculiar distinção entre anterioridade e irretroatividade; (3) a existência de paridade nos tribunais administrativos; (4) dúvidas sobre a modulação das decisões judiciais, e (5) como será operacionalizado o IVA dual em nosso país, com estimativa de alíquota conjunta de cerca de 30%.

Ouvindo as exposições dos colegas, tive a certeza de que nosso ordenamento jurídico é muito mais explícito na proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes, do que a dos outros países analisados. E que, nessa análise comparada, nossos tribunais amplamente respeitam tais direitos – basta ver em contraposição o relato efetuado pelo representante da Venezuela sobre sua Constituição, e a realidade de sua aplicação pelos tribunais, conforme comentou posteriormente. Ou o temor dos colegas do México com a ampla modificação do sistema judicial em seu país.

Próximo encontro
Foi uma excepcional Jornada organizada pelos representantes chilenos, que trouxe luz ao sistema tributário de diversos países latinos em nosso continente e da Europa, o que permite uma análise comparada da evolução dos distintos ordenamentos jurídicos e de seus problemas. É interessante ver como o Brasil se destaca nesse universo, o que foi explicitado por um colega mexicano ao mencionar que “aquilo que for aprovado no Brasil se estenderá para toda a América Latina”.

As próximas Jornadas ocorrerão em 2026 no Brasil, tendo como coordenador-geral Heleno Taveira Torres. Vamos nos preparando.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 22 de outubro de 2024.