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07/02/22

CONJUR: A inconstitucionalidade da tributação da renda no PGBL

Por Fernando Facury Scaff*

Motivado por duas excelentes colunas de Márcia Dessen na Folha de S. Paulo sobre planos de previdência privada (aqui e aqui), retorno ao tema da inconstitucionalidade da tributação do plano de previdência privada PGBL).

Márcia didaticamente explica em seu segundo artigo a diferença de base de cálculo entre os dois tipos de planos: “A base de cálculo é a mesma do regime tributável. O valor do imposto depende do produto, VGBL ou PGBL (e similares). No caso do VGBL, a alíquota incide sobre os rendimentos”.

O destaque a ser feito, e que é a base deste texto, consta da frase seguinte de Márcia: “No caso do PGBL, que admitiu o diferimento de parte do Imposto de Renda devido no ano em que o aporte foi feito, a alíquota incide sobre o valor total do resgate ou benefício de renda”.

Observe-se: “… A alíquota incide sobre o valor total do resgate ou benefício de renda”.

O ponto é: pode haver tributação pelo IR do valor principal investido?

Claro que não. Qualquer primeiranista de Direito sabe que o montante investido não pode sofrer tributação pelo Imposto de Renda, apenas a renda, isto é, os juros.

Onde está o pulo do gato?

Volto ao didático texto de Márcia: “No caso do PGBL, que admitiu o diferimento de parte do Imposto de Renda devido no ano em que o aporte foi feito…”.

Ou seja, há um pressuposto jurídico que pode não se concretizar — não se realizar no mundo concreto, no mundo em que os fatos ocorrem.

O pressuposto jurídico é que o investidor utilize ao longo do tempo o valor investido para abater 12% de sua receita bruta. Caso isso ocorra, pressupõe-se mais uma vez que tal abatimento seja suficiente para compensar a tributação no resgate. O problema é que nem sempre isso ocorre.

A regra é aplicável a todos os investidores, porém a equação financeira só se revela adequada quando este adquire renda tributável ao longo dos anos de PGBL, que seja correspondente aos valores acumulados, porém isso não ocorre quando grande parte (ou a totalidade) advém de rendimentos isentos ou não tributáveis.

Vamos a um exemplo: Uma pessoa recebe uma herança, rendimento que é considerado isento ou não tributável (artigo 35, VII, “c”, RIR-18) e coloca o valor integral em um fundo de previdência privada sob o regime PGBL, e não possui rendimentos anuais tributáveis equivalentes a esse aporte de recursos. Nesse caso, quando ocorrer o resgate do PGBL, a tributação do IR englobará o principal e os rendimentos, e não apenas os rendimentos (juros), o que viola a Constituição e o inciso II do artigo 43 do CTN.

Troque o rendimento acima de “herança” para “dividendo”, ou qualquer outro rendimento isento ou não tributável, e, no resgate do PGBL, haverá tributação sobre o patrimônio, e não sobre a renda.

Patrimônio não é renda, e, no caso, a tributação será sobre todo o patrimônio investido — claro como um dia de sol. O valor do principal investido corresponde ao patrimônio da pessoa, sendo renda apenas os juros que advierem do investimento.

Observa-se que não há uma tese aplicável à generalidade dos casos. É necessário investigar caso a caso, concretamente, para identificar se o volume resgatado é superior ao uso do limitador de 12% estabelecido para o abatimento sobre a receita bruta na aquisição dos rendimentos pelo declarante.

Quando isso não ocorrer, a tributação do PGBL será inconstitucional, pois incidirá sobre todo o montante acumulado, violando a regra do imposto sobre a renda, pois estará sendo tributado o patrimônio, e não a renda. Seguramente será necessário periciar o investimento realizado a fim de identificar se, ao longo do tempo, os 12% de abatimento sobre a receita bruta do declarante serão suficientes para compensar a tributação sobre o montante integral.

Não se trata tão somente de uma opção do investidor, mas de violação à Constituição, havendo, no caso concreto, confisco, que é caracterizado como a perda da propriedade sem fundamento jurídico. E, no caso, através do uso de tributos, o que é expressamente vedado (artigo 150, IV). Existe até um livro sobre o assunto, (“Tributação dos Investimentos em Previdência Complementar Privada”, Quartier Latin, 2007), de autoria de Patricia Bressan Linhares Gaudenzi, fruto de sua dissertação de mestrado na PUC-SP, orientada por Roque Carrazza.

Enfim, o Fisco federal só pode tributar a renda, ou seja, os rendimentos (= juros), e não o patrimônio.

Isso pode passar desapercebido pelos investidores e pelos analistas financeiros de investimentos, mas traz reflexos gigantescos na apuração dos valores.

Vale a pena ficar atento.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em  07 de fevereiro de 2022.