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05/09/22
Por Fernando Facury Scaff*
Entrou para a história o dia 11 de agosto de 2022, quando foi lida a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros com o slogan “Democracia Sempre!”, organizado pela Diretoria da Faculdade de Direito da USP, professores Celso Campilongo e Ana Elisa Bechara, que já conta com cerca de 1,1 milhão de assinaturas. Tal ato foi realizado nas Arcadas, no Largo São Francisco, em São Paulo, e replicado Brasil afora. E agora, quais os próximos passos?
Penso que é observar de perto as eleições, conforme estabelecido pelo Edital de Chamamento Público do TSE 01/22, através do qual oito Instituições se credenciaram a realizar Missões de Observação Eleitoral, dentre as quais a Universidade de São Paulo (USP).
É a primeira vez que o TSE regulamenta Missões de Observação Eleitorais Nacionais (Resolução 23.678/21), que cumprirão papel importantíssimo no acompanhamento e na análise da disputa eleitoral. As Missões de Observação têm o dever de acompanhar as eleições e, ao final, apresentar um relatório que subsidiará a tomada de decisões para as futuras eleições, a partir dos erros e acertos que forem identificados no atual certame. É bem verdade que os relatórios, as opiniões e as conclusões dos observadores eleitorais não poderão produzir efeitos jurídicos sobre a validade do processo eleitoral em curso e de seus resultados (artigo 27 da Resolução 23.678/21). O que se busca é um olhar para o futuro a partir da atual disputa, buscando aperfeiçoar a democracia brasileira.
Registre-se que para o TSE “observar” não é “fiscalizar e auditar o sistema eletrônico de votação”, atividade regulada por outra norma (Resolução 23.673/21), o que incumbe a partidos políticos, OAB, Forças Armadas e outros atores igualmente importantes (art. 6º), com o papel ativo em todas as etapas do pleito.
Louva-se o redobrado cuidado com que o TSE vem conduzindo as eleições de 2022, reforçando a “fiscalização e auditoria” e ampliando a “observação”, o que demonstra especial preocupação com a transparência do processo e o respeito à vontade da população. Parabéns à equipe do TSE, representada pelos ministros Roberto Barroso e Edson Fachin, pela atenta condução de toda essa atividade até o presente momento, o que certamente será mantido pelos ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski que assumem a Presidência.
No âmbito das Missões de Observação existe muito a ser feito, incluindo o dia da votação (filas, violência, organização, urnas eletrônicas etc.) até o acompanhamento dos recursos que forem interpostos perante o TSE, colocando em xeque a disputa realizada.
Como expôs Lucas S. Grosman de forma precisa: “O processo eleitoral é o arquétipo da competição: está organizado em torno da ideia de ganhadores e perdedores, e o recurso que reparte é nada menos do que o poder político, o poder de conduzir o Estado”.[1] Afinal, quem tem o poder político, tem o poder sobre os direitos e dinheiros a serem distribuídos à população por intermédio de políticas públicas, isto é, decidir quem deve receber os bens e direitos distribuídos pelo Estado e quem deve pagar por eles, e com qual prioridade.
No âmbito jurídico idolatra-se o princípio da legalidade e enfatiza-se ser necessário obedecer à lei, porém não se analisa com a devida atenção como as pessoas têm acesso ao Poder Legislativo, que produz a lei. Como regra, de legisladores oligárquicos advêm leis oligárquicas; e isso demonstra a relevância do direito eleitoral, essencial à democracia, na qual todos têm formalmente direito a apenas um voto por cabeça.
De minha parte, preocupa-me em especial o financiamento do processo eleitoral.
No Brasil atual é permitido: (1) o financiamento privado das candidaturas, desde que (1.a) doados por pessoas físicas; (1.b) através do custeio de recursos pelos próprios candidatos (1.c) ou pela venda de bens (camisetas, broches etc.) e realização de eventos. Como regra, (2) o financiamento decorre de dinheiro público, (2.a) seja através do Fundo Partidário, pelo qual recebem verbas do Tesouro Nacional para custeio de suas atividades partidárias; (2.b) seja em decorrência do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), pelo qual o Tesouro Nacional aporta valores para financiar as candidaturas. É expressamente vedado o custeio por pessoas jurídicas. Em qualquer caso, existem limites de gastos para cada campanha.
Essa preocupação com o que denomino de Direito Financeiro Eleitoral é importantíssima e parte do Princípio da Paridade de Armas (isonomia republicana), pois, como afirmou o Ministro do STF, Dias Toffoli, no julgamento da ADI 4.650: “Sem o voto censitário, sem o voto de cabresto, restou às forças econômicas do país atuar no financiamento das campanhas”. Ou, na síntese então proclamada pelo Ministro aposentado do STF, Marco Aurélio: “O dinheiro faz as vezes do eleitor”.
Nesse sentido, o papel que as Missões de Observação possuem transcende o atual pleito, pois visam colaborar com a democracia brasileira em diversos aspectos, inclusive quanto ao correto e adequado uso dos recursos públicos para o resultado do pleito.
Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 16 de agosto de 2022.