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04/07/23
Por Fernando Facury Scaff*
Li as 29 páginas do substitutivo apresentado pelo grupo de trabalho que analisa a reforma tributária do consumo (PEC 45), que, segundo consta, será enviado esta semana para votação diretamente no plenário da Câmara dos Deputados. Penso que mais 29 páginas de alterações tributárias em nossa Constituição acabarão por complicar ainda mais o sistema ao invés de simplificá-lo.
Tenho uma sugestão para simplificar todo o sistema de tributação do consumo, com um mínimo de impacto jurídico, e sem inventar coisas como esse Conselho Federativo de duvidosa constitucionalidade, que mais parece um Confaz turbinado e piorado.
Um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) possui diversas características, dentre as quais destacarei três, pois me parecem mais importantes: (1) é cobrado no destino, e não na origem; (2) possui o mais amplo direito de crédito, de modo a não haver cumulatividade ou resíduo de imposto nas cadeias produtivas; e, (3) é desejável que tenha pouquíssimas alíquotas. Todas essas características são ótimas, e devem ser implantadas no Brasil para melhorar nosso sistema. Penso haver unanimidade nesse ponto.
Nosso atual ICMS não possui nenhuma dessas coisas. Seria o caso, então, de jogá-lo fora e trocar tudo o que já foi assentado sobre esse tributo e iniciar uma nova construção jurídica? Penso que não. É possível transformar o ICMS em um IVA de forma juridicamente mais fácil — este é o cerne deste artigo.
A primeira característica do IVA, a de ser cobrado integralmente no destino, pode ser alcançada através de uma singela alteração na Resolução 22/89 do Senado Federal, estabelecendo que será aplicada a alíquota do ICMS no destino, e não mais de forma compartilhada, como é atualmente. Lei ordinária pode regular isso para o PIS e a Cofins.
A segunda característica do IVA, que é ser efetivamente não-cumulativo, gerando amplo direito de crédito, pode ser obtida por lei complementar, afastando as restrições atuais. Observe-se que a redação do Substitutivo é praticamente a mesma que hoje existe, e não contempla o amplo creditamento, deixando a delimitação para uma futura lei complementar (artigo 156-A, VIII).
A terceira característica é a pequena quantidade de alíquotas, internas e interestaduais, o que poderia ser estabelecido pela mesma lei complementar.
Com isso, de forma menos bombástica, conseguiríamos aproveitar toda a experiência jurídica atualmente existente com o ICMS, PIS e Cofins, no âmbito normativo, interpretativo e jurisprudencial, sem fazer uma revolução tributária e alcançando bons resultados.
Com a decisão de ser feito um IVA dual, a União poderia unificar o PIS e a Cofins com maior facilidade, restando apenas um problema a ser resolvido que seria a unificação do ICMS com o ISS, para o que seria necessária uma PEC.
Esta PEC, cujo escopo seria bastante mais restrito que o da PEC 45, deve enfrentar um problema, que é a da assimetria federativa entre nossos municípios. Poucos possuem máquinas arrecadatórias em funcionamento — arriscaria dizer que 100 municípios, ou um número próximo disso. Os demais — cerca de 5.400 municípios — adorariam receber apenas transferências federativas, sem se preocupar com arrecadar ISS, pois não possuem serviços a serem tributados em sua base territorial. Logo, esta específica dificuldade deve ser enfrentada: reconhecer que se deve tratar desigualmente os municípios grandes (uns poucos) em face dos pequenos (a esmagadora maioria). Fórmulas jurídicas podem resolver esse impasse, sem dinamitar nossa federação.
O leitor pode estar se perguntando por que motivo isso não está sendo feito? Não sei, mas arrisco dizer que falta aos formuladores da PEC experiência prática, isto é, a vivência do sistema. Seguramente todos são pessoas altamente qualificadas e repletas de boas intenções, cuja experiência decorre de análises teóricas observando outros países, sem a necessária prática tributária quotidiana na resolução dos problemas tributários perante os Fiscos e os Tribunais. Apontam falhas no atual sistema, que realmente existem, mas a solução proposta, de uma PEC com 29 páginas de substanciais alterações tributárias nos levará a diversas incertezas que aumentarão a insegurança jurídica e a litigiosidade durante décadas — basta dizer que o STF ainda delibera sobre a base de cálculo dos velhíssimos PIS e Cofins, como ocorreu semana passada acerca de sua incidência sobre seguros e serviços financeiros. Observe-se que nenhuma análise de impacto econômico foi divulgada pelos formuladores da PEC 45 até o presente momento, e a votação se avizinha, com uma pressa inadmissível e incompreensível.
É comum ouvir que os advogados estão contra a Reforma Tributária tal como está sendo proposta porque vão perder clientes e honorários. Ouvi isso do deputado Luiz Carlos Hauly dias atrás em Brasilia. Ledo engano. Serão necessárias novas leis complementares, leis ordinárias, decretos, resoluções, portarias, instruções normativas e muitas outras normas para fazer funcionar o novo sistema proposto. E a jurisprudência precisará ser assentada “do zero” sobre estas novas incidências. A incerteza, insegurança e litigiosidade aumentarão enormemente. Ouso dizer que três futuras gerações de advogados tributaristas terão trabalho garantido em face dessas mudanças…
O IVA é bem-vindo em nosso sistema tributário, mas não por meio da PEC 45.
Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 04 de julho de 2023.