Usamos cookies para melhorar a funcionalidade do nosso site, ao continuar em nossa página você está concordando em recebê-los.
Para obter mais informações, visite nossa Política de Privacidade.
20/01/22
O pagamento de remuneração ao empregado pela empresa, sem a devida prestação de serviço, prejudica a higidez das relações de trabalho.
Com esse entendimento, a 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Pará determinou, em quatro processos diferentes, que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pague o salário-maternidade de todas as empregadas gestantes das empresas reclamantes que estejam em regime de trabalho remoto/teletrabalho por força da Lei 14.151/2021, desde que estejam impossibilitadas de executá-los à distância, enquanto permanecer a emergência de saúde pública decorrente da epidemia de Covid-19.
O juízo também autorizou a compensação do montante já gasto com a remuneração das empregadas, quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias.
Uma da ações foi proposta pelo Sindicato do Comércio de Materiais de Construção e Similares de Belém (Sindmaco). O objetivo era que o INSS pagasse o salário-maternidade das empregadas grávidas das empresas integrantes da categoria, a partir da data dos afastamentos, nos casos em que não há possibilidade de continuidade do trabalho de forma remota.
Segundo o Sindmaco, com a publicação da Lei 14.151/2021, passou a ser obrigatório o afastamento de empregadas gestantes, sem prejuízo da remuneração, das atividades de trabalho presencial. O sindicato alegou, contudo, que a lei foi omissa no que se refere às gestantes que não puderem desenvolver atividades a distância, devido à natureza das atividades, e também no que concerne ao responsável pelo pagamento da remuneração dessas empregadas.
A juíza federal Hind Ghassan Kayath pontuou que a Lei 14.151/2021 é uma norma de caráter temporário, editada com o nítido propósito de conferir proteção às empregadas gestantes. Mas ela concordou com os argumentos do sindicato de que a Lei é omissa quanto a hipótese em que o trabalho remoto é impossível, devido à própria natureza das atribuições do emprego.
Nesses casos, ressaltou a magistrada, cria-se uma situação prejudicial ao empregador, que se vê obrigado a colocar a gestante em regime de trabalho remoto, com continuidade da remuneração, porém, na prática, perde um posto de trabalho, gerando, no final das contas, pagamento de salário sem a devida prestação laboral, o que vai de encontro aos princípios constitucionais que regem as relações de trabalho.
Ela destacou, ainda, que nos termos do artigo 4º, § 8º da Convenção 103 da OIT, incorporada no ordenamento jurídico brasileiro, “em hipótese nenhuma deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega”.
Assim, na visão da julgadora, a aplicação literal da Lei 14.151, na hipótese em que o exercício do trabalho remoto pela empregada é inviável, ofende a Constituição e a Convenção citada.
“Além de prejudicar o empregador, também faz o mesmo ao empregado, pois potencializa as dificuldade de emprego das mulheres no mercado de trabalho”, defendeu.
Levando em conta os princípios que informam a seguridade social, em especial o da solidariedade, Kayath entendeu que o custo da proteção social da Lei 14.151/2021 deve ser suportado por toda a coletividade, por meio da Previdência Social, razão pela qual mostra-se juridicamente adequada a concessão de salário-maternidade no caso.
A magistrada lembrou ainda que o artigo 394-A, § 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, que garante o pagamento de salário-maternidade quando a gestante ou lactante não puder exercer suas atividades laborais em local salubre da empresa, evidencia claramente que a finalidade do benefício é garantir amparo financeiro e proteção à saúde da gestante e do nascituro.
Desse modo, diante da omissão legislativa em regular a hipótese em que o trabalho remoto é incompatível com as atribuições da gestante, a juíza entendeu que cabe a aplicação por analogia do dispositivo legal.
“De fato, a hipótese fática albergada pelo artigo 394-A, § 3º da CLT guarda profunda semelhança a hipótese tratada no presente feito, permitindo a integração normativa através da analogia, haja vista que, por conta da pandemia da Covid-19, o ambiente de trabalho tornou-se insalubre para as gestantes”, completou.
Como consequência, ela concluiu que deve ser garantido o direito de compensação das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários e rendimentos em geral relativamente aos valores e período em que as empresas representadas pelo sindicato pagaram as gestantes afastadas.
No mesmo sentido foram os pedidos feitos nas outras três ações, propostas por uma rede de supermercados, uma rede de lojas de eletroeletrônicos e uma mineradora. Pelos mesmos fundamentos, a juíza Hind Kayath julgou os pedidos procedentes nas três ações semelhantes.
“Por meio dessas ações foi possível corrigir um cenário injusto para as empresas, eis que passaram a estar obrigadas a colocar as gestantes em regime de trabalho remoto, por razões óbvias de saúde e proteção da gestação em razão da pandemia de Covif-19, com continuidade da remuneração, porém, sem contar com a efetiva prestação de serviços em muitos casos, devido a incompatibilidade do trabalho com as atribuições da empregada, gerando, no final das contas, pagamento de remuneração sem a devida prestação laboral”, afirmou Elton Barroso Sinimbú Filho, coordenador da área trabalhista do Silveira Athias Advogados, que representou o sindicato e as empresas nas ações.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 19 de janeiro de 2022.