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27/09/22
Por Fernando Facury Scaff*
Hoje existe a convicção de que o teto de gastos não funcionou. Implantado pela EC 95 durante o governo Temer para vigorar por 20 anos, está desacreditado por todas as correntes políticas e econômicas, necessitando de reformas. Subsiste ainda apenas com função retórica, tantas são as goteiras que esse teto já contempla. Até mesmo Henrique Meirelles, que compunha o núcleo econômico do governo Temer e hoje apoia Lula, já declarou que o teto precisa ser reformado.
Diversos balões de ensaio estão sendo divulgados pela imprensa como possíveis substitutos do teto tal como hoje se encontra. Reportagem de Idiana Tomazelli na Folha de S.Paulo expõe de forma didática as propostas em debate.
A proposta do Tesouro Nacional visa permitir que os gastos sejam ampliados além da inflação, se a meta de endividamento estabelecida pelo governo for cumprida, considerando também a arrecadação superior à despesa primária.
A proposta da Secretaria de Política Econômica vincula a expansão dos gastos acima da inflação de acordo com a expansão do PIB, considerando também o nível de endividamento do governo. Em períodos recessivos, poderia haver permissão para ampliação extraordinária dos gastos.
Registra ainda a reportagem que o PT discute duas possíveis alternativas, embora nenhuma tenha sido apresentada de forma concreta. Uma seria retornar apenas à meta de resultado primário, como consta da Lei de Responsabilidade Fiscal desde o ano 2000; outra seria a criação de um regime mais flexível para os gastos, acima da inflação, contemplando possíveis exceções para determinadas despesas, como investimentos.
São propostas interessantes, mas que não vão ao cerne do problema, que, a meu ver, está (1) não nos gastos, mas na espécie de cada gasto, e (2) considerando a diferença entre as espécies de gasto, deve-se estabelecer um piso para que o governo realize tais despesas. Marcos de Vasconcellos, em sua coluna na Folha de S.Paulo aponta para essa alternativa. Explico melhor.
Existem diversos tipos de gastos e o atual teto não os diferencia, colocando sob a mesma camisa de força tanto os salários quanto as despesas com energia elétrica, investimentos, treinamento, educação, saúde etc. Eis o primeiro ponto: é necessário distinguir entre esses diversos gastos, pois uns se referem à manutenção da máquina púbica, e outros olham para o futuro, ampliando o desenvolvimento e o bem-estar da população. Logo, é necessário tratar desigualmente estas despesas, pois nem todas devem estar no mesmo balaio.
Considerando a necessária diferenciação acima referida, não é suficiente retirar do teto de gastos as despesas que visam o futuro da sociedade. É necessário que o governo obedeça a um piso de gastos com tais despesas. Assim, cada governo deveria estabelecer metas (pisos) para gastos com investimentos, considerados, de forma exemplificativa, como obras, capital humano e tecnologia.
Obras são importantes em vários sentidos: aumentam a empregabilidade, permitem atender às necessidades de infraestrutura em áreas pouco desenvolvidas de nosso país, induzem a expansão da atividade econômica e muito mais. Deve-se planejar a fim de que não ampliar a quantidade de esqueletos espalhados pelo Brasil. O artigo 45 da Lei de Responsabilidade Fiscal veda o início de novos projetos antes de serem “adequadamente atendidos os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público”. Logo, revisar os projetos em andamento e os paralisados deve ser efetuado de forma concomitante ao início de novos empreendimentos por parte do governo.
Capital humano diz respeito à investimento em pessoas; afinal, sem gente qualificada não se desenvolve um país. Isso implica em educação, treinamento, capacitação e diversas ações visando não apenas os próprios servidores públicos, como também o setor privado, estimulando setores estratégicos de nossa economia. Por exemplo: investir em treinamento para os trabalhadores da construção civil, em todos os níveis de formação, visando reduzir o desperdício nas obras.
Tecnologia e inovação caminham juntos e são imprescindíveis para o futuro de nosso país. Quando a Embrapa tinha recursos e estava voltada para isso, o agronegócio brasileiro ampliou sua produtividade e se tornou um dos principais motores da economia. É preciso aproximar as Universidades e demais centros de pesquisa do setor privado, a fim de que as necessidades de uns sejam atendidas pelos outros – foi e é assim nos países mais desenvolvidos.
É insuficiente furar o teto estabelecendo goteiras para determinados gastos. É necessário estabelecer pisos para determinados tipos de gastos, como os acima referidos. E isso pode ocorrer tanto por dispêndios diretos, através de desembolso dos cofres públicos, como por meio de dispêndios indiretos, como renúncias fiscais, que devem ser computadas nesse rol, e concedidas por prazo determinado, com controle de resultados e dentro de um planejamento governamental.
Caso adotado tal piso de investimentos, estou seguro de que as próximas gerações herdarão um país melhor. Fica a sugestão para debate.
Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 27 de setembro de 2022.