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15/08/23

CONJUR: Precatórios e contabilidade criativa na encruzilhada eleitoral de 2026

Por Fernando Facury Scaff*

As emendas constitucionais 113 e 114 estabeleceram um novo sistema para o pagamento dos precatórios federais, criando um subteto, pelo qual só será pago no ano corrente o que tiver sido pago no ano anterior, acrescido da inflação, limitado ao ano de 2026.

Esse mecanismo criado pelo ministro Paulo Guedes ocasiona um efeito bola de neve, pois o montante que ultrapassar esse subteto vai se acumulando até estourar no último ano do atual governo.

Parece óbvio que esse mecanismo 1) não respeita a responsabilidade fiscal, pois vai impactar fortemente as finanças federais em 2027 e 2) não respeita as ordens judiciais de pagamento, que são os precatórios judiciais.

Foram feitos alertas para a perda de uma chance política para a solução do problema durante a tramitação do projeto de arcabouço fiscal, porém parece que só agora o ministro Haddad se deu conta das dificuldades que se avizinham. E aqui reside a encruzilhada referida no título deste texto.

Reportagem de Idiana Tomazelli, na Folha de S.Paulo do dia 10 de agosto informa que o governo planeja incluir em uma PEC a possibilidade de classificar os precatórios como “despesa financeira”, e, com isso, retirá-los dos limites do superavit primário federal.

Marcos Mendes, no mesmo jornal dias após, afirmou que tal procedimento seria contabilidade criativa representando uma pedalada fiscal. Está errada a afirmação, pois foram as PECs 113 e 114 que realizaram uma horrenda e descarada pedalada nos credores judiciais desses valores devidos pela União. Não há nada de criativo no procedimento que se pretende fazer acerca do pagamento dos precatórios pelo atual governo — exceto sua timidez.

De fato, a reportagem indica que a proposta do governo será retirar do limite apenas o que vier a ser pago além do subteto, mantendo como despesa primária o pagamento dos precatórios do ano em curso. Ocorre que o excesso, aquilo que ultrapassa o subteto, já é legalmente considerado como dívida e não como despesa, a teor do artigo 30, §7º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Logo, nenhuma norma precisa ser alterada para essa solução tímida, que só resolve o problema do governo, deixando os credores de precatórios a ver navios.

Três alternativas podem ser adotadas para solucionar o problema.

A ideal é a de simplesmente revogar o sistema de bola de neve criado pelas PECs 113 e 114, através de nova Emenda Constitucional. Os precatórios federais passariam a ser pagos de forma rotineira, como antes.

A solução intermediária foi proposta por mim e Felipe Salto no jornal O Estado de S. Paulo, que é a de alterar o §7º do artigo 30 da LRF, a fim de que todos os precatórios passem a ser considerados como dívida, não só os inadimplidos. Esta proposta atende a responsabilidade fiscal, mas só atenderá aos credores se, ao mesmo tempo, passarem a ser pagos todos os precatórios, não apenas os do subteto.

Uma terceira solução é respeitar o §11 do artigo 100 da Constituição, criado pela EC 113/21 com a finalidade de reduzir a bola de neve, permitindo a utilização dos precatórios para compra de imóveis, quitação de dívidas tributárias e pagamento de outorga de delegações de serviços públicos, o que seria “facultado ao credor, (…), com autoaplicabilidade para a União”. Ocorre que a AGU não respeitou essa norma constitucional e busca sua limitação.

Enfim, existem soluções além da tímida alternativa que está sendo avaliada, que não se constitui em pedalada, mas, pelo contrário, é uma despedalada do que foi patrocinado pelo ministro Paulo Guedes.

O pior que pode acontecer é nada ser feito, empurrando-se o problema até 2026.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Texto originalmente publicado na Revista Consultor Jurídico em 15 de agosto de 2023.