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13/08/20

Julgamento no STF ameaça arrecadação do Sebrae e da Apex

Votação coloca em risco orçamento anual de R$ 4 bilhões, que tem como base contribuições sobre folha de pagamento; pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento

Um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes suspendeu na tarde desta quarta-feira, 12, um julgamento no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) que coloca em risco imediato R$ 4 bilhões do orçamento anual do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Até agora, três ministros votaram, com placar provisório a favor das entidades – 2 a 1. Para o Ministério da Economia, sem o modelo atual de arrecadação, Sebrae, Apex e ABDI “terão sérias dificuldades para continuar desempenhando suas importantes finalidades sociais”, afirmou, em nota a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que cuida da área jurídica do ministério.

O julgamento estava originalmente previsto para ser concluído até o próximo dia 17. Com o pedido de destaque, o ministro Gilmar Mendes pretende retirar o caso do plenário virtual e levá-lo para as tradicionais sessões plenárias da Corte, realizadas agora por videoconferência, já que considera o assunto delicado. Ainda não há data para a retomada da análise.

No centro da discussão, está a Emenda Constitucional n.º 33, de 2001, que regulamenta a cobrança de contribuições sociais e de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cides). A intenção original da emenda era ajustar a tributação do setor de combustíveis, petróleo e derivados, mas sua redação abriu espaço para questionamentos a respeito de contribuições que sustentam o Sebrae, a Apex-Brasil e a ABDI.

Conforme a Lei nº 8.029, de 1990, as empresas brasileiras são obrigadas a recolher 0,3% de contribuição sobre a folha de pagamentos para financiar essas entidades. O Sebrae fica com 85,75% dos recursos arrecadados.

Em 2009, porém, a empresa Fiação São Bento questionou na Justiça a cobrança. A alegação é de que a emenda, ao utilizar o termo “poderão”, definiu que a cobrança pode ser feita apenas pelo faturamento, pela receita bruta ou pelo valor da operação – e não pela folha de pagamentos, que sempre foi o parâmetro utilizado mas não é citada no texto.

O processo ficou por anos fora da pauta do STF, mas foi incluído no último dia 7 para votação no plenário virtual, uma ferramenta online que permite que os ministros decidam sobre casos a distância, sem se reunirem presencialmente.

Quando a discussão for retomada, a decisão terá repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pelo Supremo deverá ser aplicado em casos similares que tramitam em todas as instâncias judiciais do País.

“A ideia da emenda era permitir a tributação sobre outras bases, além da folha de salários. Não tinha nada a ver com o Sebrae e outras entidades. Tinha a ver

com a Cide-Petróleo”, explica o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Facury Scaff.

Autor de um parecer a pedido das três entidades, Scaff afirma que, caso o STF declare a cobrança sobre a folha de pagamentos inconstitucional, o Sebrae, a Apex Brasil e a ABDI podem ser extintos de forma imediata.

No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2020, o Tesouro Nacional já havia identificado como um risco fiscal a discussão sobre a constitucionalidade da cobrança. A estimativa de impacto anual, com base em 2019, era de R$ 3,49 bilhões para o Sebrae, R$ 520 milhões para a Apex e R$ 110 milhões para a ABDI. Em cinco anos, o impacto total seria de R$ 23,25 bilhões para as três entidades, conforme o Tesouro.

Recursos da Previdência

Em seu parecer, Scaff alerta ainda para os possíveis efeitos sobre a Previdência Social. Se a tese que proíbe cobranças sobre a folha de pagamentos for acolhida pelo STF, empresas de todo o Brasil poderão questionar, na Justiça, o recolhimento previdenciário. O efeito nesse caso não será imediato, mas tem potencial de retirar bilhões da Previdência.

O recolhimento do INSS feito por empresas é de 20% sobre o total das remunerações. O valor descontado dos empregados varia de 7,5% a 14%, de acordo com o valor do salário.

O economista José Roberto Afonso, professor do Instituto DP, lembra que em 2019 a arrecadação das contribuições para o Regime Geral da Previdência Social somou R$ 395,8 bilhões, dos quais R$ 310,3 bilhões foram pagos pelos empregados – 78% do total. Esse é o montante que está em risco.

“Seria bom o governo acordar e correr para defender o Sebrae e os demais serviços, porque, se perder no STF, o impacto será direto em suas contas”, alerta o economista. “Se for vencida essa tese, ela provavelmente derrubará a arrecadação de outras contribuições que entram no cofre da União, com risco até para a Previdência. E o Sebrae presta um serviço público, hoje financiado pelas empresas, que precisará ser financiado diretamente pelo Orçamento da União.”

Afonso teme que uma decisão negativa ao governo no STF também tenha reflexos em outros recolhimentos, como o do salário-educação, que ajuda a bancar a educação básica nos Estados e no Distrito Federal. A alíquota da contribuição é de 2,5% sobre a folha das empresas, mas ela não está definida na Constituição.

Votos

Já votaram no processo a relatora, ministra Rosa Weber, o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Alexandre de Moraes. Rosa acolheu o argumento da Fiação São Bento e reconheceu a “inexigibilidade das contribuições para o Sebrae, a Apex e a ABDI” a partir de 12 de dezembro de 2001, quando começou a valer a emenda constitucional.

Toffoli e Moraes votaram de forma contrária. Segundo o presidente do STF, uma interpretação “restritiva do texto constitucional levaria ao fim de uma multiplicidade de incidências sobre a folha de salários”. “Vide os prejuízos notórios de uma interpretação que deixe as entidades que atualmente exercem as atividades de interesse de toda a sociedade sem as respectivas fontes de custeio, levando à extinção das próprias entidades”, argumentou Toffoli.

“Quanto ao Sebrae, ficaria perturbado o objetivo de fomentar o desenvolvimento sustentável, a competitividade e o aperfeiçoamento das microempresas e das empresas de pequeno porte. Em relação à Apex, poderia acarretar, por exemplo, o embaraçamento das exportações dos produtos e serviços brasileiros e a perda de investimentos estrangeiros para setores estratégicos da economia. No tocante à ABDI, haveria o comprometimento da efetivação das políticas de desenvolvimento industrial”, apontou o presidente do STF.

Em um primeiro momento, a questão preocupa em especial o Sebrae, que recebe a maior parte dos recursos. Entidade voltada para o fomento de micro e pequenas empresas, o Sebrae tem unidades em todo o País.

“A questão é definir se o termo ‘poderão’ significará ‘só poderão’ ou ‘poderão entre outros’”, resumiu Scaff. “A ministra (Rosa Weber) leu de maneira reducionista. O voto de Toffoli é uma ampliação. A expectativa é de que a norma seja declarada constitucional”.

*Reportagem originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo